Dinâmica e Mecanismos de Destruição Estrutural
Cheias, enchentes e alagamentos não são novidades para nós. São eventos que acontecem desde os primórdios da humanidade, afetando em diferentes graus as sociedades ao redor do globo. Os efeitos e consequências dessas cheias, no entanto, estão muito relacionadas, entre tantos aspectos geológicos e topográficos, com as elevações dos terrenos e dos leitos dos cursos d’água, bem como com o nível atingido pelas águas. Isso influencia diretamente não somente na duração desses eventos, mas também na velocidade e, daí, nas suas forças de destruição.
Algumas vezes, tais eventos alcançam uma potência destrutiva avassaladora, destruindo a infraestrutura de áreas gigantescas, afetando cidades inteiras, levando casas — sejam de madeira ou de alvenaria — destruindo largas seções de estradas, seja por deslizamentos de terra ou por erosão de seus taludes, e colapsando pontes, entre diversos outros prejuízos igualmente severos.
Desta forma, do ponto de vista da engenharia, quais seriam as dinâmicas e os mecanismos envolvidos na destruição ou no comprometimento de cada tipo estrutural? Especificamente, como a estrutura de uma casa, de uma estrada ou de uma ponte seria destruída numa situação de cheia com grandes volumes de água em velocidade?
Com relação às casas, tanto a madeira como a alvenaria ficariam saturadas, alterando suas propriedades mecânicas, volumes e retilineidade, prejudicando as conexões entre os diferentes componentes e fragilizando o conjunto como um todo. A ação das águas sobre as paredes, além de inserirem forças horizontais, tende a acumular sedimentos e detritos de toda ordem, que também exercem forças horizontais, mesmo em situações de baixa velocidade. As excentricidades adicionais que sofreriam paredes e pilares teriam o potencial de provocar os colapsos estruturais observados em muitas situações de alagamento. Soma-se a isso a ação do fluxo d’água no solo junto às fundações, exercendo pressão sobre as mesmas e tirando sua capacidade de suporte, além dos desmoronamentos de encostas que muitas vezes acabam por soterrar residências inteiras.
Especificamente para os materiais:
Tijolos: Dependendo do tempo de imersão e da porosidade, a resistência à compressão pode reduzir entre 8% e 41%, e a resistência à tração pode diminuir entre 15% e 48%.

Madeira: Nos parâmetros de projeto, considera-se uma redução de até 10% nas propriedades mecânicas apenas pela umidade.

” Os materiais porosos, como os tijolos ou o concreto, têm uma microestrutura caracterizada pela presença de um sistema de poros de várias dimensões, através dos quais podem penetrar as substâncias presentes no ambiente. O transporte de substâncias gasosas ou líquidas está frequentemente na base dos fenômenos de degradação que caracterizam estes materiais” (Silva, 2016).
Com relação às estradas, muitas são projetadas para impedir alagamentos, funcionando como verdadeiros diques de contenção, porém com dutos de regulação dos níveis d’água que, em grandes cheias, não comportam o volume de água. Ao passar em velocidade, acabam erodindo todo o entorno, atingindo as camadas de suporte da estrada e levando tudo por diante. O solo encharcado dos taludes, com suas propriedades mecânicas reduzidas, tende a deslizar, introduzindo um potencial destrutivo ainda maior.
Já no caso das pontes, estruturas tipicamente projetadas para suportar condições excepcionalíssimas, vê-se que também acabam sendo destruídas ou severamente afetadas em eventos de cheias de grandes proporções. Muitas vezes, mesmo com os níveis d’água chegando em velocidade na elevação dos tabuleiros, as superestruturas dessas obras tendem a aguentar firmemente as forças horizontais excepcionais impostas pela natureza. No entanto, não são raras as vezes em que a velocidade das cheias atua sobre as regiões dos encontros das pontes, removendo solo saturado e, com capacidade suporte reduzida, propiciando colapsos localizados nessas regiões. Mais crítica ainda é a situação das pontes que, possuindo piers com fundações nos leitos dos rios, ficam sujeitas ao fluxo de água em grande velocidade durante grandes cheias, removendo o solo de suporte e facilitando graves deslocamentos diferenciais que possuem o potencial de afetar toda a superestrutura, comprometendo a segurança da estrutura como um todo. Assim, tais estruturas podem, muitas vezes, ficar “em pé”, mas estariam virtualmente sem segurança estrutural para a finalidade a que foram concebidas. Ficam como uma espécie de monumento mórbido dos eventos de grande magnitude que traumatizam comunidades e regiões inteiras.
Influência dos Aspectos Geológicos e Topográficos
Os efeitos e consequências dessas cheias estão muito relacionados, entre tantos aspectos geológicos e topográficos, com as elevações dos terrenos e dos leitos dos cursos d’água, bem como com o nível atingido pelas águas. Isso influencia diretamente não somente na duração desses eventos, mas também na velocidade e, daí, nas suas forças de destruição. Solos saturados por 20 dias apresentam uma redução do ângulo de fricção interna em 10% e da coesão em 60%. Com o tempo de imersão, os solos se desagregam e perdem poder de suporte.

Poucos segundos após a imersão, a amostra contendo somente solo começou a “desmanchar”. Poucos minutos depois, toda amostra estava “desmanchada” e as demais amostras se mantiveram intactas (…). Na prática, a presença de água em uma camada do solo puro, poderia gerar graves defeitos no pavimento, como afundamento e valores altos de trilhos de roda.
(Barbosa, 2019)
Planejamento e Infraestrutura de Drenagem
É fundamental ressaltar que, apesar dos avanços na engenharia estrutural e na infraestrutura de drenagem, muitas vezes as ações tomadas para prevenir enchentes são paliativas e não abordam a raiz do problema. É imprescindível que haja um planejamento adequado e integrado, considerando não apenas a construção de estruturas físicas, mas também a gestão adequada do uso do solo e a preservação de áreas naturais. A abordagem deve ser holística, considerando o impacto da urbanização e a manutenção da cheia natural, como proposto em diversos programas de controle de enchentes ao redor do mundo. A engenharia estrutural tem seu papel importante, mas deve ser aliada a uma visão mais ampla e sustentável no planejamento e na implementação de medidas contra enchentes. Devem ser, no entanto, um aviso monumento mórbido muito do que é feito em termos de infraestrutura e planejamento contra cheias. A engenharia estrutural certamente tem muito a contribuir neste sentido.
Fontes Consultadas e Citadas
2017. ISAIA, G. C. Materiais de construção civil e princípios de ciência e engenharia de materiais – 3ª Edição Atualizada e Ampliada Vol.I e Vol. II. Ed.: IBRACON. ISBN.:9788598576275.
2016. BERTOLINI, L. Materiais de construção. Ed.: Oficina de Textos. ISBN.: 9788579752421
2019. BARBOSA, F C. Engenharia e geotecnia: princípios fundamentais. Ed.: Conhecimento Livre. ISBN: 978-65-80226-27-6
2020. MOHAMAD, G. Construções em alvenaria estrutural. Ed.: Blucher ISBN: 978-85-212-1459-5
2015. TUCCI, C. E. , BARROS, M. T. , PORTO, R. L. Drenagem Urbana Ed.: ABRH ISBN: 85-7025-365-8